Por: Cristovam Buarque
O Brasil é um país de alta criatividade em políticas
sociais, com saídas para amenizar, não para mudar a realidade. A criatividade
começou na escravidão, ao invés de aboli-la recorremos à Lei do Ventre Livre.
Os escravos sexagenários, os velhos, eram libertados, um eufemismo para
abandonados. Até a Abolição da Escravatura aconteceu sem oferecer educação nem
terra para os ex-escravos e seus filhos. A Abolição foi um eufemismo para a
expulsão dos escravos das fazendas para as favelas.
Modernamente
também temos sido campeões de imaginação para soluções parciais.
Como o
salário não era suficiente para pagar o transporte do trabalhador até o local
de trabalho, ao invés de aumento salarial, criamos o vale-transporte, como se
fosse um grande benefício social, quando, na verdade, foi um serviço à
economia: garantir a presença do trabalhador na fábrica. A regra é a mesma para
o vale-refeição. O salário não era suficiente para assegurar a alimentação
mínima de um trabalhador, então a solução foi garantir a alimentação do
trabalhador, mesmo que suas famílias continuassem sem comida.
Quando a
inflação ficou endêmica, ao invés de combatê-la (só enfrentada em 1994),
criou-se a correção monetária, que garantia moeda estável para quem tivesse
acesso às artimanhas do mercado financeiro, enquanto o povo continuava com seus
salários cada vez mais desvalorizados.
Hoje,
quando o país vive um apagão de mão de obra qualificada, corremos para fazer
escolas técnicas, esquecendo que sem o ensino fundamental os alunos não terão
condições de aproveitar os cursos profissionalizantes.
A Bolsa
Escola foi criada para revolucionar a escola. Como isso não foi feito, ela se
transformou na Bolsa Família, sendo mais uma das soluções compensatórias
agregada ao vale-alimentação e vale-gás.
As
universidades boas e gratuitas são reservadas para os que podem pagar escolas
privadas no ensino básico. No lugar de fazer boas escolas para todos, criamos o
PROUNI e cotas para negros e índios. O Brasil melhora com essas medidas, mas
não enfrenta o problema e acomoda a população, como se agora todos já fossem
iguais. Promovem-se benefícios com soluções provisórias, como se elas
resolvessem o problema.
A
solução adiada seria uma revolução que assegurasse escola de qualidade para
todas as crianças, em um programa que se espalharia pelo país, onde todas as
escolas fossem federais, como o Colégio Pedro II, as escolas técnicas
militares, os colégios de aplicação das universidades.
Quando a
desigualdade social força a separação entre pobres e ricos que se estranham, ao
invés de superar a desigualdade constroem-se muros em shoppings e condomínios,
separando as classes sociais. Para impedir a convivência de classes, impedimos
estações de metrô? em bairros ricos, o que mostra um total desinteresse desses
habitantes pelo transporte público.
Falta
professor de Física, retira-se Física do currículo escolar. Os alunos não
aprendem, adotamos a progressão automática. O Congresso não funciona, o STF
passa a legislar. A população fala Português errado, em vez de ensinar o
correto a todos legitimamos a fala errada para a parte da população sem acesso
à educação. Adotamos dois idiomas: o Português dos ricos educados e o Português
dos pobres sem educação; o Português dos condomínios e o Português das ruas. Ao
invés de combater o preconceito e a desigualdade, legalizamos a desigualdade.
Ao invés
de fazer as mudanças da estrutura para construir um sistema social eficiente,
equilibrado, integrado e justo optamos por simples lubrificantes das
engrenagens desencontradas da sociedade. Nossas soluções podem até ser
criativas, mas são burras e injustas. É a sociedade acomodando suas
deficiências. Ao invés de enfrentar e resolver os problemas, nossa criatividade
ajusta a sociedade a conviver com eles. E adia e agrava os problemas porque
ilude a mente e acomoda a política.
*
Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário, fique à vontade para criticar e sugerior. Denúncias podem ser enviadas para louremar@bol.com.br ou louremar@msn.com