O jornalista Geneton Moraes Neto produziu para a Globo News uma entrevista com Geraldo Vandré.
Depois de passar 4 anos e meio no exílio. O paraibano Vandré voltou no segundo semestre de 1973. Daí para cá, Desde que voltou para o Brasil, no segundo semestre de 1973. Desde então, é a sua primeira entrevista a uma equipe de TV.
O compositor e cantor que entrara para a história da MPB dos anos sessenta como autor de canções como “Disparada” (em parceria de Théo de Barros) e “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”/Caminhando” , O Vandré pós-exílio não lembrava em nada o compositor que arrebatara o público no Festival Internacional da Canção de 1967. Entoados por Vandré diante de um Maracanãzinho superlotado, os versos de “Caminhando” ( “vem/vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer”) saíram daquele palco para entrar na história: viraram uma espécie de hino de protesto contra o regime militar. Sob uma vaia de fazer tremer as estruturas do ginásio, o júri deu o prêmio à “Sabiá”, a parceria de Chico Buarque com Tom Jobim. Mas o público foi seduzido pelo tom incendiário dos versos de “Caminhando”. Pouco depois, desabava sobre o país o Ato Institucional número 5 – que dava poderes absolutos aos militares. Vandré partiu para o exílio. A música “Caminhando” foi proibida.
A pergunta que todos gostariam de fazer é a mais simples possível: o que foi que aconteceu com Geraldo Vandré ?
Vandré : “Ficou fora dos acontecimentos (ri). Ficou fora dos acontecimentos. Acho melhor para ele. Tenho outras coisas para fazer. Estudei leis. Quando terminei meu curso de Direito aqui no Rio e fui me dedicar a uma carreira artística, já sabia que arte é cultura inútil. Mas hoje consegui ser mais inútil do que qualquer artista. Sou advogado num tempo sem lei. Quer coisa mais inútil do que isso ? Quando entrei na escola, para estudar, era a Universidade do Distrito Federal. Quando saí, era Universidade do Estado da Guanabara. Hoje, é Uerj, no Maracanã”.
“Tenho uma prioridade: fazer a minha obra de língua espanhola. É uma obra popular. Além de tudo, o que quero fazer, antes de cantar canções populares no Brasil, é terminar uma série de estudos para piano, música erudita com vistas a composição de um poema sinfônico. Porque aí já é a subversão total. Não existe nada mais subversivo do que um subdesenvolvido erudito”.
O fato de a música “Caminhando” ter se tornado uma espécie de hino de protesto provoca o quê em você hoje: orgulho ou irritação ?
Vandré: “Estou tão distante de tudo. Mas não tenho o que corrigir em nada do que fiz. Tenho muito orgulho de tudo o que fiz. Protesto é coisa de quem não tem poder. Não faço canção de protesto. Fazia música brasileira. .....Não concordo com a denominação “música de protesto”. Fiz música popular brasileira”.
Você teve uma divergência artística com os tropicalistas – entre eles, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Hoje, você ainda considera ruim a música que eles faziam na época ?
Vandré : “Com essa pergunta, eu me lembrei de uma reposta que o próprio Gil deu uma vez. Fiz uma pergunta a ele. Não me lembro qual foi. E ele disse: “Ah, faço qualquer coisa. Uma tem que dar certo”. Eu não faço qualquer coisa”.
O Brasil de quarenta anos atrás era melhor do que o Brasil de hoje ?
Vandré: “Eu fazia música para aquele país”.
E por que não fazer música para o Brasil de hoje ?
Vandré: “Porque o país é outro. O que existe é cultura de massa. Não é cultura artística brasileira. Não há praticamente espaço para a cultura artística. Se você considerar os outros autores, eles fazem coisas de vez em quando. Não têm uma carreira como tinham antigamente – nem Chico Buarque nem Edu Lobo, ninguém. A carreira que eles têm é uma carreira hoje muito segmentada”.
Você se considera, então, uma espécie de exilado que vive dentro do Brasil ?
Vandré: “Estou exilado até hoje. Ainda não voltei. Eu estou exilado e afastado das atividades que eu tinha até 1968 no Brasil. Eu me afastei. Não retornei”.
Quando fui para São Paulo, a cidade tinha quatro milhões de habitantes. Hoje, são dezesseis milhões de amontoados. É um genocídio. Tiraram todo mundo dos campos para produzir e exportar…”
O que é que chama a atenção do Geraldo Vandré no Brasil de hoje ? Que manifestação artística desperta interesse ?
Vandré: “A miséria aumentou. Se você pegar a letra de “Caminhando” – ” pelos campos, as fomes em grandes plantações/pelas ruas marchando indecisos cordões/ ainda fazem da flor seu mais forte refrão/ e acreditam nas flores vencendo o canhão” -, hoje é mais ainda. Hoje, as ruas estão muito mais cheias de indecisos cordões. O processo de massificação destruiu praticamente a urbe brasileira”.
Quando você se lembra hoje do Maracanãzinho inteiro cantando “Caminhando” que sentimento você tem ?
Vandré: “Aquilo foi muito bonito, muito bonito. Pena que eu não posso ver o VT. Estão guardando o VT não sei para quê.Quero ver o VT. ...
Você tem saudade daquela época ?
Vandré : “Saudades….Saudades…Um pouco. Mas também há tanta coisa para fazer que não dá muito tempo de sentir saudade”.
Por que você tomou esta decisão tão drástica – de interromper uma carreira de tanto sucesso ?
Vandré: “Decidir sair do Brasil naquele ano de 1968. (N:Os mesmos agentes que prenderam Caetano Veloso e Gilberto em São Paulo,em dezembro de 1968, tentaram prender Geraldo Vandré. Mas, avisado por Dedé, à época mulher de Caetano Veloso, Geraldo Vandré conseguiu escapar a tempo) Eu tinha uma programação para fazer fora do Brasil. Tinha um contrato com a televisão Bavária,na Alemanha, para fazer um filme sobre Geraldo Vandré. Fui fazer. Passei um ano e meio pela Europa. Depois, voltei para o Chile – para onde eu tinha ido do Brasil. Havia muitos brasileiros lá ainda. De lá, fui para o Peru. Ganhamos um festival em Lima em 1972 com uma canção que era a única não cantada em espanhol. Era cantada em “brasileiro” mesmo. O Brasil não conhece a canção.Chama-se “Pátria Amada Idolatrada, Salve, Salve – Canção terceira”.
O público brasileiro ainda vai ter chance de ver Geraldo Vandré cantando “Caminhando” e “Disparada” no palco ?
Vandré: “Isso é profecia. Não sou profeta”.
Pena que a maioria da população naquela época apoiava aquele indecente regime político.
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