Da: Carta Capital, por Maurício Dias
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| Foto: Henrique Trajano/FAB |
As regras dos quartéis podem ser incompatíveis com as regras
da Constituição?
A resposta deveria ser não. Mas, no Brasil, duas décadas e
meia após o fim do regime militar, a resposta é sim. Por descaso ou omissão
superior e, pior ainda, talvez por legado autoritário, as “leis” na caserna
estão em constante rota de colisão com certas práticas essenciais à democracia.
Um exemplo recente ocorreu na quarta-feira 22, na Base Aérea
de Natal (RN). Essa organização militar foi criada, em 1942, para dar
sustentação à luta, travada em nome da democracia, do acordo dos aliados contra
as tropas nazistas que ocupavam o Norte da África. A gravidade do episódio, à
margem dessa ironia histórica, está no relato do confronto com o autoritarismo
travado por Lorena Costa, defensora pública federal, titular do 2º Ofício
Criminal, no Rio Grande do Norte. Eis um resumo do que ela descreveu e
encaminhou aos integrantes da Defensoria Pública da União (DPU):
“Tive as minhas prerrogativas funcionais totalmente
desrespeitadas por sargentos, tenentes e o coronel da Base Aérea, uma vez que
fui impedida de visitar um assistido em razão de ter me negado a realizar
revista, na qual teria de ficar nua perante uma sargento (…).
A esposa do assistido afirmou que vai visitá-lo e é submetida
à revista na qual tem de ficar nua, se agachar e fazer força, por três vezes
seguidas, a fim de verificar se carrega consigo algo suspeito (…) como estava
muito desesperada, ficou temerosa de retornar ao local, e virar alvo de abusos
outros, eu me comprometi a acompanhá-la.
Assim que cheguei ao local, me apresentei como defensora
pública da União e fui acompanhada por um sargento – Júnior – até uma sala. Lá
entrando, a sargento – Érika – me perguntou se conhecia os procedimentos de
revista e me disse que eu teria de ficar nua. Acho que perdi a fala, de tanta
indignação (…) ela chamou outro sargento – Félix. Relatei as prerrogativas da
minha função. Ele distanciou-se e foi ligar para um tenente. Após uns vinte
minutos, voltou e disse que era ‘norma da casa’ e que, se eu não realizasse a
revista, não poderia ter a entrevista com o assistido.
Pedi então para que me fornecesse uma declaração de que tinha
sido impedida de ter contato com o preso por ter me negado a realizar a
revista, além de me apresentar a norma que me obrigaria a tal dever ‘legal’.
Claro que ele se negou, tendo eu pedido para falar com o dito tenente.
Esperei mais uma meia hora. Fiz para o tenente – Gabriel – o
mesmo discurso (…) ele insistiu na negativa, afirmando que havia recebido
orientação do setor jurídico. Continuei argumentando sobre a
inconstitucionalidade (…) ele se afastou para ligar para um coronel – Lima
Filho – (…) voltou e disse que, definitivamente, eu não poderia conversar com o
preso.
(…) Fiquei estarrecida com a situação. Não resisti à medida
apenas pelo fato de ser defensora pública, mas, sobretudo, na qualidade de
cidadã livre e que vive sob a égide de um Estado Democrático de Direito, no
qual não há mais espaço para abusos como esse, contra ninguém e por nenhuma
‘autoridade’.
Nunca tinha visitado um estabelecimento pertencente às Forças Armadas, mas senti que a ditadura por lá ainda não acabou e não se teve notícia da Constituição Federal de 1988”.

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