Vai ver é assim mesmo | Blog do Louremar

sábado, 30 de outubro de 2010

Vai ver é assim mesmo

Numa concorrida noite de autógrafos, a vendedora me perguntou: “O senhor deseja adquirir um livrinho?”. Entre surpreso e indignado, pensei no autor da obra, em seu talento, no trabalho que tivera. E a moça, com a maior sem-cerimônia, chama o resultado de tanto esforço de “livrinho”! Claro que ela não quis ofender ninguém. Com esse diminutivo, estava apenas engrossando as já grossas fileiras dos que sofrem dessa verdadeira mania nacional: o uso indiscriminado do “inho” e do “inha”. Reparem com em tudo que é lugar e ocasião, vivem nos oferecendo a canetinha para assinar o chequinho, a cadeirinha, o copinho de água e por aí afora. Dá a impressão de que nos tornamos todos crianças. Ou anões.

Infelizmente, a mania de usar o diminutivo a torto e a direito não é a única que assola o país. Existem outras que se propagam feito epidemia de gripe. Como aquela de começar tudo que é resposta com um “não”, mesmo quando a pessoa não está a fim de negar nada. Foi o que fez uma moça que, ao ser interpelada por uma amiga se tinha ido à praia no fim de semana, explicou: “Não , é que o tempo melhorou e eu resolvi me bronzear um pouco”. Fico imaginando o padre perguntar ao noivo se ele aceita fulana de tal como esposa. E o noivo: “Não, sim”. No intervalo entre as duas palavras, periga a noiva desmaiar em pleno altar.

Outro hábito que ninguém mais segura, tal qual fogo morro acima ou água morro abaixo é o “com certeza”. Nenhum cristão ou judeu ou ateu tem dúvidas de espécie alguma. Está com fome? Com certeza. Bonito dia, hein? Com certeza. É verdade que você vai se casar? Com certeza. O “sim” sumiu de circulação. Foi deletado.

Uma extravagância idiomática que, da mesma forma e em igual velocidade que as outras, se alastrou como uma praga é a que ouvi de um gerente de banco. “Você tem que passar aqui para estar reapresentando o cheque”, disse ele ao telefone para um cliente. Quer dizer que o pobre do homem, além de ter sido vítima de um mau pagador, seria obrigado a realizar a ação continuada, reiterada, de estar reapresentando o cheque no caixa. Por quanto tempo? Pela eternidade? Quando poderia parar? O gerente não explicou.

Depois de pensar em tudo isso, acabei comprando o tal do “livrinho”. A vendedora (muito bonita), em agradecimento, me brindou com um sorriso tão cativante que conseguiu serenar meu espírito. Não tive outra saída a não ser me render ao seu charme e perdoar-lhe o “inho”. Vai ver é assim mesmo, concluí. Ou, para acompanhar a moda: “Não, com certeza deve estar sendo assim mesmo”.


Por Roberto Pellegrino, publicado originalmente no blog do Noblat.

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