E os mudos falarão
Está no Novo Testamento, caros leitores: há uns dois mil
anos já se sabe que, algum dia, os mudos falarão. Calendário maia, que tantos
temem, é besteira. Mas talvez esteja chegando o dia em que ao menos parte da
verdade será conhecida.
Carlinhos Cachoeira já deu um sinal de que, talvez, seus tempos sem voz estejam
chegando ao fim. Numa frase rápida, daquelas que cabem entre abrir e fechar a
janela do carro, disse que é "a garganta profunda do
PT". Garganta Profunda foi o filme que fez a fama da
atriz pornô Linda Lovelace, capaz de notáveis malabarismos bucais - e
certamente não é esse papel que Cachoeira pretende desempenhar. E Garganta
Profunda foi também o codinome do principal informante dos jornalistas
Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, nas reportagens
que detalharam o caso Watergate e derrubaram o presidente americano Richard
Nixon, reeleito pouco antes com ampla maioria.
Outro mudo que ameaça falar é Paulo Rodrigues Vieira, ex-diretor da Agência
Nacional de Águas, ligado a Rose Noronha, chefe de Gabinete da Presidência da
República em São Paulo. Vieira trocou de advogado e deixou vazar que estuda
propor ao Ministério Público uma delação premiada. Nela, contaria como tudo
funcionava, indicaria gente graúda envolvida no esquema e, em troca, receberia
benefícios legais da Justiça. O comentário é que Vieira não quer cair sozinho,
apontado como chefe de quadrilha, e se sente abandonado pelos aliados.
Marcos Valério? Passou do ponto. Mas os outros dois até os surdos ouvirão.
Da voz solitária ao coro
É bom lembrar que Paulo Rodrigues Vieira tem mais dois irmãos, um dos quais
mereceu também o patrocínio de Rose Noronha para um excelente emprego numa
agência reguladora, e sua mãe, senhora sempre preocupada com o bem-estar da
família. Da canção solo ao coral uníssono é uma transição rápida.
Oitocentos é pouco
Dilma Rousseff prometeu construir 800 aeroportos no país.
É pouco: podia ter prometido oito mil, ou 80 mil. Depois é só esquecer - como o
famoso Terceiro Aeroporto de São Paulo, cuja localização só não era anunciada
para evitar especulação com os terrenos a desapropriar.
Talvez o Terceiro seja um dos 800.
É tudo longe
Da presidente Dilma Rousseff, falando no encerramento do Fórum Empresarial
Brasil-Rússia, em Moscou: "O Governo brasileiro está incentivando os
estudantes a vir aqui, para a Índia". Passou batido: o presidente da CNI,
Robson Andrade, estava dormindo; o vice-primeiro-ministro russo, Arkady Dvorkovich,
estava ocupadíssimo com seu Blackberry; e o ministro mais próximo da
presidente, Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, preferiu ampliar sua série de bocejos a dar risada.
Ele sabe o que é bom para sua carreira.
Cidade-luz
O governador Tarso Genro resolveu seu problema particular de energia: enquanto
Porto Alegre ficava às escuras por 30 horas seguidas, na terça-feira, 11, Sua
Excelência foi a Paris, a Cidade-Luz, para um encontro com a presidente Dilma.
Claro que bastaria ajustar a agenda para encontrá-la em Brasília, a custo bem
mais baixo, mas vinho nacional é melhor na França do que no Brasil.
Lucidez petista
O prefeito eleito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida, PT, acaba de tomar
uma decisão digna de aplausos: assim que tomar posse, fará com que a Guarda
Civil da cidade seja realmente civil, comandada por um civil, e não mais por um
policial militar da reserva. O comandante deve ser um delegado.
Maluquice pessedista
Alguém conhece Ricardo Patah? Ele lidera uma daquelas centrais sindicais que
recebem fundos públicos. A dele é a UGT e se associou ao prefeito paulistano
Gilberto Kassab, para ser o braço sindical do PSD. Outro dia, dia comum de
serviço, horário normal de trabalho, grupos da UGT que não estavam trabalhando
em lugar nenhum se reuniram na Avenida Paulista, uma das principais da cidade,
só para engarrafar o trânsito. Conseguiram: percorrer os dois quilômetros de
avenida exigia uma hora de quem, ao contrário dos desocupados, queria trabalhar.
Motivo da manifestação? "Defesa dos trabalhadores do Panamá". Pois é.
Loucura burocrática
Uma doença curada torna uma pessoa inepta para ocupar um cargo no funcionalismo
público? Parece incrível, mas é assim: Charla Adriana Vieira dos Santos, 39,
teve câncer de mama, operou-o há muitos anos, está sem qualquer sinal da
doença. Mas, depois de classificada num concurso público, em São Paulo, e
nomeada enfermeira na Secretaria de Administração Penitenciária, não pôde tomar
posse. Depois de quase dois anos de luta na Justiça, acabou sendo nomeada.
A Justiça tem dado respaldo aos candidatos preteridos em praticamente todos os
casos. O desembargador Rui Stocco, por exemplo, referindo-se ao veto a uma
candidata que teve câncer de mama e que se classificou num concurso para
professora, classificou a medida burocrática de "odiosa".
Não custa lembrar que o governador Geraldo Alckmin, PSDB, é médico.
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