Por: Carlos Alberto Sardenberg
Coisa de 200 anos atrás, jornalistas do Times
de Londres já utilizavam um critério original para saber o que deviam ou não
apurar e publicar. "Notícia, diziam, é tudo aquilo que alguém não quer ver
publicado o resto é propaganda".
Desse ponto de vista, tudo que o governo
fala, em qualquer país, deve ser entendido como propaganda e marketing. Claro,
não é mesmo? Os governantes só falam aquilo que gostariam de ver publicado com
o devido destaque.
No Brasil de hoje, isso faz muito
sentido. Os governos, em todos os níveis, carregam na propaganda, em
volume e conteúdo. Reparem, por exemplo, nos anúncios do Banco do Brasil e da
Caixa. Tem financiamento barato para todo mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo
porque comprou seu carro ou abriu seu negócio, todos prosperam e por isso riem
o tempo todo. Um espetáculo: não tem inadimplência, os juros são baratíssimos.
Parece que só os mais bobos, ou desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro
fácil.
Pode-se dizer que aqueles bancos estão
no mercado, disputando clientes com as outras instituições. Mas
não é bem assim. A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobrás,
outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu
principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das
ações do governo.
Regra do jogo, pode-se argumentar.
Trata-se de propaganda paga, o governo, como qualquer outro anunciante, diz o
que quer e ninguém é obrigado a acreditar. Sabemos que não é bem assim. Nem precisa
argumentar muito. É intuitivo. Trata-se de dinheiro público,
mesmo no caso dos bancos comerciais, como BB e Caixa. Eles não funcionam como
os privados. Recebem dinheiro do governo, já foram resgatados com injeções de
capital público mais de uma vez e todo mundo sabe que não vão quebrar porque o
governo, ou seja, o contribuinte, estará lá para cobrir eventuais buracos.
Necessariamente, portanto, deveriam agir
de modo diferente, como instituições públicas, e estas, como todo governo, têm
compromisso com a informação correta.
O que nos leva ao outro lado da
história. Hoje em dia, entende-se que mesmo empresas privadas têm compromisso
com o público. Propaganda enganosa não pode ser tolerada. Claro, é difícil definir
e apurar a tentativa de ludibriar o consumidor, mas é outro problema, de
regulação.
E se isso vale para empresas privadas,
por que não se aplica ao governo, suas empresas e suas repartições? Na verdade,
a propaganda enganosa pública é mais grave, porque o governo tem também a
obrigação de informar e, assim, orientar a sociedade.
Isso é especialmente importante no caso
da política econômica. O governo, ator decisivo em qualquer economia, precisa
dizer claramente o que vai fazer, prestar contas regularmente sobre o que está
fazendo, dar as regras do jogo, mostrar como vê o andamento da situação e esclarecer o cenário com o qual
trabalha.
Há rituais definidos para isso, aqui no
Brasil e em toda parte. Os ministérios da área econômica e o Banco
Central divulgam regularmente suas mensagens. Assim, em qualquer país
organizado, os agentes econômicos, ao planejar e agir, consideram os cenários
do governos para crescimento, inflação, arrecadação, gastos orçamentários, etc.
Por isso, quando o nosso Ministério da
Fazenda sustenta que o país crescerá 4,5%, quando todo mundo já viu
que não vai dar, isso é, sim, um tipo de propaganda enganosa. Idem
quando o Banco Central diz que cumpriu a meta de inflação quando o índice bateu
em 6,5%, dois pontos acima. Há mesmo uma confusão, que parece deliberada, entre
meta, centro da meta e margem de tolerância. Resultado: ficamos sem saber sem
saber se o objetivo de fato é uma inflação de 4,5% (a meta ou o centro) ou
qualquer coisa abaixo de 6,5% (o teto da margem de tolerância) ou até mais do
que isso, como ocorreu recentemente.
Do mesmo modo, é uma informação enganosa
quando o governo jura que vai cumprir a meta de superávit primário sem truques. Nestes casos, a
informação do governo causa menos danos porque todo mundo já sabe que o cenário
oficial não vai se realizar. Vale para todos os anúncios do setor público,
federal, estadual e municipal, que simplesmente afirmam que tudo vai
maravilhosamente bem.
Mas isso desmoraliza a informação pública e cria o ambiente, negativo, de que é
assim mesmo: o governo mente e a gente não acredita ou deixa pra lá. Só que
nós, cidadãos e contribuintes, fazemos o papel de trouxa. Nós pagamos pela
farsa.
* Artigo publicado ontem, no jornal O Globo
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista, comentarista econômico da TV Globo
e âncora da rádio CBN
Caro Louremar,parabéns pela publicação deste excelente artigo,para quem gosta de informações importantes sobre de fato como anda a economia do pais,muito bom.(Darlan Caldas).
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